A difícil missão de alinhar as partes interessadas na renegociação de dívidas empresariais
Texto escrito por Luís Felício - Diretor Executivo da Galeazzi & Associados
A quantidade de empresas com um nível de endividamento alto continua crescendo e não há expectativas de que esse número diminua na conjuntura atual.
A renegociação das dívidas empresariais pode ser um processo desafiador e a complexidade depende da conciliação dos diferentes grupos interessados. Temos os administradores, os acionistas e os credores. Alinhar estes três grupos não é uma missão fácil.
Primeira pergunta: quem criou o problema, o endividamento?
A própria empresa! Isto precisa ficar claro.
Dito isto, não adianta querer colocar bancos, fornecedores, governo como os grandes culpados do problema. Neste artigo, abordo algumas das perspectivas tanto dos acionistas quanto dos credores que interferem nesse processo de renegociação, e apresento uma série de elementos que indicam a importância de contar com um terceiro na mediação das negociações.
Os acionistas
O que temos visto é a resistência do acionista em aportar recursos, muitas vezes devido a preocupações sobre o retorno do investimento, riscos financeiros e ações que possam prejudicar o valor de suas participações. Algumas das razões comuns, na nossa experiência:
1 - Preocupações com o retorno do investimento
Se a empresa está enfrentando dificuldades financeiras, os acionistas podem questionar a eficácia de aportar mais recursos e se isso trará benefícios. Aqui começa o primeiro desalinhamento entre os sócios e sua visão do negócio.
2 - Diluição da participação acionária
Se a empresa optar por aumentar o capital por meio da emissão de novas ações, os acionistas existentes podem sofrer diluição em suas participações. Isso significa que, mesmo que invistam mais dinheiro na empresa, sua fatia proporcional da propriedade da empresa pode diminuir, o que pode ser indesejável para eles, embora possa ser o desejável para a empresa.
3 - Falta de confiança na gestão
Se os acionistas não confiam na capacidade da administração em utilizar eficientemente os recursos adicionais ou em implementar estratégias eficazes para superar os desafios, eles podem hesitar em aportar mais capital. Se a equipe de gestão não tem apresentado um plano consistente e não tem dado sinais de que as coisas vão mudar, mais um motivo para o acionista resistir a aportar novos recursos.
4 - Avaliação dos riscos
Acionistas podem avaliar os riscos associados ao ambiente de negócios da empresa e ao setor em que opera. Se perceberem que os riscos são muito elevados e que a probabilidade de recuperação é baixa, podem optar por não aportar mais recursos.
5 - Alternativas de investimento
Os acionistas podem considerar outras oportunidades de investimento que ofereçam retornos mais atraentes ou que apresentem riscos menores do que investir mais em uma empresa em dificuldades. A alocação eficiente de capital é uma consideração importante para os acionistas.
6 - Falta de visibilidade sobre o futuro
Se a empresa não consegue fornecer uma visão clara e convincente sobre como pretende superar os desafios e restaurar a saúde financeira, os acionistas podem hesitar em investir mais. A incerteza sobre o futuro pode afetar negativamente a disposição dos acionistas em aportar recursos adicionais.
7 - Necessidade de preservar capital
Em alguns casos, os acionistas podem preferir preservar seu capital em vez de investir mais em uma empresa que consistentemente não gera o caixa suficiente para honrar os seus compromissos. A decisão de aportar recursos adicionais é muitas vezes baseada em uma análise cuidadosa dos riscos e benefícios.
Os credores
Sob a ótica dos credores, estes também têm dúvidas quanto à perpetuidade da empresa, posição dos acionistas, qualidade da administração e do mercado. Estes ingredientes dificultam a celeridade da renegociação da dívida ou eles até mesmo podem optar por não fazer a operação.
Alguns problemas sob a ótica do credor são:
1 - Riscos de inadimplência
Os credores estão preocupados com o risco de a empresa devedora não cumprir os termos renegociados (já não cumpriu no passado) e, eventualmente, entrar em inadimplência. Isso pode resultar em perdas financeiras para os credores.
2 - Riscos de crédito
As empresas credoras estão preocupadas com o risco de não receberem o valor total da dívida. Elas avaliam a capacidade da empresa devedora em cumprir os termos renegociados. Se a empresa devedora já enfrentou dificuldades financeiras, as credoras podem ser mais relutantes em concordar com uma renegociação favorável.
3 - Impacto nas finanças da empresa credora
Muitas vezes, as empresas credoras dependem do recebimento de pagamentos de dívidas para manter suas próprias operações e cumprir as suas obrigações. Renegociar dívidas pode afetar diretamente o fluxo de caixa e a saúde financeira das credoras, o que pode tornar o processo mais complicado. Isto acontece mais do lado de fornecedores e pequenos bancos. Vejam o caso das Lojas Americanas, entre outros.
4 - Negociação de interesses divergentes
Empresas credoras e devedoras têm interesses conflitantes. As credoras visam recuperar o máximo possível da dívida, enquanto as empresas devedoras muitas vezes buscam termos mais favoráveis para aliviar sua situação financeira. Alcançar um equilíbrio que atenda ambas as partes pode ser desafiador. Normalmente, a empresa devedora busca o alongamento da dívida, a redução da taxa de juros, uma carência e o mais importante: uma redução do valor da dívida. Ora, isto não é o mundo ideal do credor.
5 - Falta de garantias ou ativos
Se a empresa devedora não possui garantias significativas ou ativos líquidos para oferecer como garantia, as empresas credoras podem ser mais relutantes em renegociar a dívida. A falta de segurança pode aumentar o risco percebido pelas credoras. É neste momento que os credores podem exigir avais dos sócios, o que dificulta o relacionamento / interesses dos sócios, caso eles tenham recursos.
6 - Condições econômicas gerais
As condições econômicas, tanto em nível nacional quanto global, podem impactar a disposição das empresas em renegociar dívidas. Em tempos de incerteza econômica, as empresas credoras podem ser mais cautelosas ao fazer concessões.
7 - Condições de mercado
Em condições econômicas desfavoráveis (como os dias de hoje), os credores podem estar mais relutantes em renegociar dívidas, pois enfrentam maiores riscos e incertezas em relação ao ambiente de negócios.
Caminho para a renegociação
As empresas endividadas, muitas vezes, optam por contratar terceiros, como consultorias especializadas em reestruturação financeira ou profissionais de assessoria financeira para ajudar na renegociação de suas dívidas. Há várias razões estratégicas e operacionais que justificam isso:
1 - Experiência especializada
Consultores especializados em reestruturação financeira têm conhecimento e experiência específicos em lidar com situações complexas de dívida. Eles entendem as nuances do processo de renegociação, as práticas do setor e podem oferecer insights valiosos sobre as melhores abordagens para alcançar acordos favoráveis.
2 - Objetividade
Terceirizar a renegociação da dívida pode trazer uma perspectiva objetiva e imparcial para a situação. Consultores externos podem analisar a situação financeira da empresa de maneira mais desapaixonada, o que pode ser benéfico para tomar decisões informadas e estratégicas. É neste momento que se tem que buscar o alinhamento entre os sócios.
3 - Redução de conflitos de interesse
Se a empresa devedora já tem relacionamentos estabelecidos com seus credores, pode haver conflitos de interesse ao negociar diretamente. Contratar terceiros pode ajudar a minimizar esses conflitos uma vez que os consultores atuam como intermediários independentes. O difícil neste momento é tirar os acionistas da linha da frente da negociação, o que não é uma tarefa fácil, inclusive porque o credor tem o hábito de falar com ele.
4 - Negociações mais técnicas
A reestruturação de dívidas pode envolver considerações técnicas e legais complexas. Consultores especializados têm conhecimento em áreas como leis de falência, contabilidade financeira e estratégias de reestruturação, tornando-os mais aptos a lidar com as complexidades do processo.
5 - Confidencialidade
A contratação de terceiros pode oferecer um nível adicional de confidencialidade às negociações. Isso pode ser especialmente importante para empresas que desejam gerenciar informações sensíveis relacionadas às suas dificuldades financeiras sem impactar negativamente a confiança dos clientes, parceiros ou investidores.
6 - Acesso a recursos adicionais
Consultorias especializadas podem ter acesso a redes extensas de profissionais, incluindo advogados, contadores e especialistas em finanças, que podem ser mobilizados conforme necessário durante o processo de renegociação.
7 - Ganho de tempo
A renegociação de dívidas pode ser um processo demorado e complexo. Ao terceirizar essa responsabilidade, a empresa pode ganhar tempo para se concentrar em outras áreas críticas do negócio, permitindo que os profissionais especializados lidem com as nuances da renegociação.
8 - Credibilidade da consultoria
No nosso caso, a Galeazzi & Associados, devido à nossa experiência nesta atividade, já construiu um bom relacionamento com os credores. O mercado, credores, tendem a acreditar mais na consultoria especializada do que nas propostas do devedor. Por este motivo, a importância da discussão do plano de renegociação e do plano de reestruturação. Lembrando que no final do dia quem vai pagar a dívida é o caixa. E se a empresa não tem um bom plano de ajuste / reestruturação a taxa de sucesso da renegociação é baixa. Os credores já viram, por parte da empresa, de bastantes planos que nunca aconteceram. Mandar para os credores “projeções” descoladas da realidade de nada adiantam.
Em resumo, a contratação de terceiros para renegociar dívidas oferece várias vantagens, incluindo expertise especializada, objetividade, gestão eficiente de conflitos de interesse e acesso a recursos adicionais, ajudando as empresas endividadas a navegar por desafios financeiros de maneira mais eficaz.