Gestão em Pauta #9: recuperação judicial ou Chapter 11?
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Um novo ano se inicia, mas notícias relacionadas a temas do ciclo passado se repetem, caso do principal tema desta newsletter: recuperação judicial. As primeiras semanas de janeiro foram marcadas pela movimentação da Gol em busca de uma recuperação judicial, porém, solicitada nos Estados Unidos.
A companhia aérea entrou com um pedido na Justiça dos EUA em 25 de janeiro por meio do Chapter 11, medida que se alinha à recuperação judicial brasileira, pedido este aceito pelo Tribunal de Falências de Nova York. Assim, a aérea terá acesso a um financiamento de US$950 milhões para garantir suas operações enquanto discute formas para solucionar dívidas estimadas em R$20 bilhões.
Mas por que pedir RJ nos EUA e não no Brasil? Nossos diretores executivos elencaram abaixo, de forma não exaustiva, 4 principais diferenças entre a RJ brasileira e o Chapter 11 norte-americano, que pode ajudar a compreender a movimentação escolhida pela Gol e que levanta um novo cenário de possibilidades para negócios que se encontram nessa situação, lembrando que o pedido de um Chapter 11 só é possível para empresas que possuam operação nos EUA, o que não abrange a maioria das empresas brasileiras.
1. Acesso a novos recursos (DIP financing)
- RJ: Mesmo após a reforma da Lei 11.101/05, a estruturação de empréstimos DIP no Brasil tem sido complexa e, muitas das vezes, morosa. Ter recursos para operar após o pedido de RJ é condição primordial para garantir o sucesso do procedimento.
- Chapter 11: A concessão de empréstimos DIP nos EUA é muito mais célere, tanto pelo fato dos investidores terem mais costume com esse tipo de financiamento, quanto pelo fato de que o juízo da RJ compreende o senso de urgência para liberação dos recursos e não demora para autorizar sua concessão. Casos recentes de empresas brasileiras que pediram recuperação naquele país, como a Latam e a própria Gol, comprovam isso.
2. Ambiente negocial
- RJ: Parte dos agentes financeiros no Brasil ainda não está plenamente acostumado com o ambiente negocial em situações de insolvência. Por um lado, os bancos comerciais já desenvolveram uma boa experiência nesse segmento e conseguem estabelecer bons ambientes negociais. Por outro lado, o mercado local passou a ter uma quantidade grande de fundos de investimento financiando empresas e esses credores, por diversas razões, acabam por exigir uma velocidade de solução incompatível com a situação. O resultado é um ambiente mais turbulento e, em determinados casos, menos construtivo.
- Chapter 11: O mercado financeiro americano é altamente sofisticado e os agentes financeiros estão muito acostumados com situações de insolvência. Existem agentes, inclusive, que só operam após pedidos de recuperação. Em geral, os agentes trabalham buscando uma solução para a continuidade dos negócios de forma mais rápida.
3. Ambiente jurídico
- RJ: Talvez um dos principais pontos de diferença. Localmente, o ambiente jurídico é muito tumultuado. Os juízos trabalhistas e cíveis nem sempre respeitam a proteção concedida pelo juízo recuperacional, resultando em muitas decisões que impactam a operação da empresa em recuperação, como bloqueio de contas e de valores. O próprio juízo recuperacional não possui uniformidade nas decisões. Um mesmo tema pode ter decisões completamente diferentes a depender do juiz que julgar o tema. Por fim, temos sempre a discussão entre a 1ª e a 2ª instância do judiciário. É comum ver casos em que é necessário recorrer à instância superior para corrigir decisões da 1ª instância. O efeito disso é um processo muito mais moroso do que necessário.
- Chapter 11: O ambiente jurídico nos EUA é mais estável, com uniformidade nas decisões e, principalmente, respeito aos limites impostos pelo pedido de recuperação judicial. Os processos de Chapter 11 costumam ser encerrados dentro dos prazos legais previstos, sendo postergados somente em situações excepcionais.
4. Proteção dos ativos essenciais
- RJ: Outro tema de muita diferença. O Brasil possui um sistema complexo de garantias para financiamentos, com instrumentos que só existem aqui. A proteção de ativos essenciais no Brasil é, quase sempre, uma grande briga entre empresas e credores, tendo um judiciário que nem sempre decide da mesma forma. Somado ao ambiente mais turbulento mencionado anteriormente, torna-se uma equação que pode, em situações extremas, inviabilizar a recuperação de uma empresa.
- Chapter 11: O sistema de garantias é mais simples e fica mais fácil para o juiz determinar a proteção de determinado ativo. Além disso, o ambiente negocial mais construtivo e visando a recuperação contribui para eventuais liberações de ativos para auxiliar no soerguimento da empresa.
Agora, seguimos de olho nos próximos passos da Gol e também de outras empresas que tentem seguir pelo mesmo caminho em direção à reestruturação de suas finanças e operações, seja no Brasil ou no exterior.
Até a próxima!
PS: Quer saber mais sobre a Lei de Recuperação Judicial e Falências no Brasil e entender as razões pelas quais a medida sofre tantas críticas? Confira artigo autoral de nosso diretor executivo Luís Felício sobre o tema.